terça-feira, 28 de julho de 2015

Carf não precisa seguir decisões do STF, afirma presidente do órgão



Decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas em casos sem repercussão geral não vinculam o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf). 

O órgão, instância administrativa para discussões tributárias, só está obrigado a seguir a jurisprudência do Supremo fixada em ações de controle concentrado ou em recursos com repercussão geral reconhecida. É o que garantem o presidente do Carf, Carlos Alberto de Freitas Barreto, e o presidente-substituto, Henrique Pinheiro Torres.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, eles explicaram que, se a jurisprudência do STF estiver sedimentada em determinado sentido, mas não houver repercussão geral, ela serve de orientação, mas não de obrigação.

“Posso afirmar que a tendência é seguir a jurisprudência, mesmo, mas não necessariamente. É óbvio que vai ter um peso e tem uma grande chance de influenciar no resultado final de julgamento. Até porque dá segurança para o conselheiro”, afirma Henrique Torres.

A discussão está inserida no artigo 62 do novo Regimento Interno do Carf. O dispositivo proíbe o Carf de afastar a aplicação de lei, a não ser que ela tenha sido “declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. O órgão também está proibido de contrariar decisão do Superior Tribunal de Justiça tomada em recurso escolhido como repetitivo. Barreto aponta que reforma do regimento de 2009, que vinculou órgão a sobrestamentos, abarrotou Carf.

O problema está no que é considerado “decisão definitiva”. Segundo Carlos Barreto, “o objetivo do novo regimento é permitir aplicar as decisões com repercussão geral, porque antigamente o Carf simplesmente não podia aplicar decisões tomadas em controle difuso”, que é como são chamadas as decisões tomadas fora das ações de controle abstrato.

O artigo já constava do regimento anterior, mas a redação era diferente. Dizia que o Carf só pode deixar de aplicar lei se ela tiver sido declarada inconstitucional “por decisão plenária definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Antes de publicar a nova versão do Regimento Interno, em junho deste ano, o Ministério da Fazenda pôs em consulta pública uma minuta de reforma. E nesse texto prévio, a sugestão para a mudança do artigo 62 era para dizer que o Carf estava obrigado a deixar de aplicar lei ou ato normativo “que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão plenária do STF, proferida em sede de controle concentrado de constitucinalidade”.

Em outras palavras, o Carf só estaria obrigado a seguir decisões do Supremo tomadas em ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Isso excluiria as decisões tomadas em recurso com repercussão geral, já que esse é o chamado controle difuso cuja decisão tem efeito erga omnes, ou extensível a todos.

Muitos reclamaram já na consulta pública. Sugeriram que o artigo também previsse as decisões tomadas em controle difuso, sem menção à repercussão geral. E a resposta da Fazenda foi que “os processos julgados em controle difuso de constitucionalidade não vinculam nem mesmo o Poder Judiciário”.

Daí se concluiu que a intenção do Fisco é, de fato, tomar as decisões do Supremo como orientações, sem estar vinculado a elas. “Em decisões tomadas em controle difuso sem repercussão, dependeria de um ato administrativo da Procuradoria da Fazenda estabelecendo que em determinada matéria não se recorre mais”, afirma Barreto.

Henrique Torres, presidente-substituto do Carf, foi quem representou o órgão nas discussões da reforma do Regimento Interno. Ele conta que esse foi um tema de grande debate, e reconhece que “há um risco de se causar insegurança” com essa postura.

Torres lembra dos debates sobre a possibilidade de tomada de crédito quando a empresa usa produtos com alíquota zero de IPI. “O Supremo, por maioria, disse que tinha direito. Tempos depois, passou a dizer que não tinha. No STJ aconteceu a mesma coisa com o crédito prêmio. Aqui a gente nunca seguiu porque não era obrigado”, comenta.

“Há insegurança, é um risco, mas o Supremo também pode mudar a jurisprudência. Só que é mais difícil quando há repercussão geral”, afirma. Barreto concorda. Lembra, inclusive, que na reforma do Regimento de 2009 um artigo passou a vincular o Carf ao sobrestamento dos processos que tratam das teses discutidas no recurso com repercussão reconhecida ou afetado como recurso repetitivo.

“Não funcionou”, lembra o presidente. “O Supremo às vezes demora dez anos para decidir um caso, e o que aconteceu foi que o Carf ficou abarrotado de sobrestamentos, sem poder resolver os processos nem mesmo parcialmente.” Em 2013, a previsão do sobrestamento foi retirada do Regimento Interno e não voltou na nova reforma.

Quem acompanha o Carf acredita que a mudança no artigo 62 teve destino certo: a quebra de sigilo bancário pela Receita Federal sem autorização judicial. Poder ver o que os contribuintes têm em suas contas bancárias é uma demanda já antiga do Fisco. A intenção é cruzar essas informações com as que são fornecidas nas declarações de renda sem que haja investigação em curso. Facilita, e muito, o trabalho de fiscalização.

A certeza de que esse é o alvo está nas circunstâncias processuais. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu que somente o Judiciário pode dar à Receita o direito de acessar informações protegidas por sigilo bancário.

Por maioria, o Plenário seguiu o entendimento do ministro Marco Aurélio, relator. “Não se pode transferir a atuação deste [Judiciário], reservada com exclusividade por cláusula constitucional, a outros órgãos, sejam da administração federal, sejam da estadual, sejam da municipal”, estabeleceu o acórdão. “O passo banaliza o que a Constituição Federal quer protegido — a privacidade do cidadão, irmã gêmea da dignidade a ele assegurada median princípios explícitos e implícitos.”

Só que a decisão foi tomada num Recurso Extraordinário sem repercussão geral reconhecida. Os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Ayres Britto ficaram vencidos por entender que, como a Receita também tem obrigação de sigilo, poderia ter acesso às informações mediante requerimento de ofício.

A discussão de fato ainda não acabou. Hoje a matéria está em duas ações diretas de inconstitucionalidade ainda não julgadas e, em outubro de 2009 teve a repercussão geral reconhecida. O caso era de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, mas, com sua ida para a Presidência do STF, foi redistribuído ao ministro Luiz Edson Fachin.

De fato, o Carf tem julgado – e autorizado – autuações fiscais feitas com base em informações obtidas pela Receita por meio de quebra de sigilo fiscal. Em dois acórdãos recentes, o órgão entendeu que a quebra do sigilo pelo Fisco sem autorização judicial está prevista no artigo 6º da Lei Complementar 105/2001.

Em um caso de Imposto de Renda de Pessoa Física julgado em março deste ano, a antiga 2ª Câmara da 2ª Turma Ordinária manteve autuação porque o contribuinte não informou a Receita sobre a origem de valores depositados em sua conta bancária. E diz que a avaliação sobre a necessidade da quebra de sigilo é do Fisco: “A Lei Complementar 105/01 permite a quebra do sigilo por parte das autoridades e dos agentes fiscais tributários da União, dos estado e dos municípios quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.

Já em um caso sobre IR de pessoa jurídica, a 1ª Câmara da 2ª Turma Ordinária manteve a autuação de uma empresa pelo mesmo motivo, não ter comprovado a origem de depósitos bancários. “A quebra do sigilo bancário pelo Fisco, sem autorização judicial, está prevista no artigo 6º da Lei Complementar 105, dispositivo em plena vigência, apto a embasar procedimento fiscal”, diz o acórdão.


O texto ainda discute que o fato de a matéria ter tido a repercussão geral reconhecida pelo Supremo não permite anular a autuação. “Somente as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF e pelo STJ, na sistemática prevista pelos artigos 543-B e 543-C [repercussão geral e recursos repetitivos, respectivamente], deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no Carf.”

Fonte: Conjur.