terça-feira, 9 de setembro de 2014

Delação de Paulo Roberto Costa abre precedente no Supremo



Disponível também em fredericocattani.com.br


As informações reveladas pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa ao Ministério Público Federal (MPF) poderão se converter no primeiro processo criminal a chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da delação premiada, instituto previsto na legislação penal desde 1999 que permite a redução ou extinção da pena em troca de dados relevantes que contribuam para a solução da investigação criminal.

"Não creio que haja precedente técnico equivalente", pondera o ministro Gilson Dipp do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialista em matéria penal envolvendo crimes financeiros e lavagem de capitais: "É claro que tudo ainda está em uma fase inicial. Mas parece muito diferente do que houve no mensalão", avalia Dipp.

A denúncia de que parlamentares receberam propina para votar favoravelmente ao governo foi feita em 2005 pelo então presidente nacional do PTB, deputado federal Roberto Jefferson, ao jornal 'Folha de São Paulo'. A delação de Paulo Roberto Costa, ao contrário, já foi feita no âmbito de um processo judicial.

O julgamento se arrastou até 2012 e os recursos até este ano. Dos 37 réus julgados pelo Supremo, 20 foram condenados à prisão, quatro cumprem penas alternativas e 13 foram absolvidos.

No entanto, o ministro Dipp entende que o mensalão não estabeleceu uma jusrisprudência objetiva para outras ações contra políticos envolvidos em crimes financeiros: "Em termos de jurisprudência não mudou nada. Porque não houve uma súmula vinculante, nem repercussão geral ou ainda uma jurisprudência de caráter constitucional", esclarece o jurista.

Os nomes de políticos e empresários relacionados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa como supostos integrantes de organização criminosa enraizada na petrolífera desde 2004 ainda não constam formalmente do procedimento investigatório conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF), que deverá resultar na oficialização de uma colaboração premiada que se estenderá para além do período eleitoral. A informação foi apurada pelo Valor Pro junto a pessoas envolvidas no caso, que negam "vazamentos" da Polícia Federal (PF) ou do Ministério Público Federal (MPF): "Não seríamos irresponsáveis de comprometer com um vazamento algo tão complexo, tão trabalhoso e que não tem uma nulidade sequer até agora", garante um investigador.

A colaboração premiada foi a única saída encontrada pelos advogados de Costa para reduzir a pena severa a que o ex-executivo da petrolífera poderá ser condenado por integrar organização criminosa voltada à aquisição fraudulenta de contratos com a administração federal, e por ser formalmente acusado por delitos de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e destruição de provas, de acordo com as denúncias oferecidas pela força-tarefa constituída por seis procuradores da República que atua na investigação da operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em março e que identificou, até aquele momento, movimentação financeira irregular de R$ 10 bilhões de reais, segundo o inquérito.

Costa começou a considerar a hipótese de entregar os envolvidos em junho, depois que a inteligência financeira da Suíça identificou e congelou US$ 23 milhões que segundo a Justiça Federal do Paraná fazem parte de "patrimônio ilícito mantido às ocultas no exterior e longe do alcance das autoridades brasileiras".

Os investigadores avaliaram as informações do ex-diretor da Petrobras e as cruzaram com material apreendido pela PF nas buscas. Sinalizaram então que concordariam com o acordo. Pressionado pela família - as filhas Ariana e Shanni Costa Bachmann e os genros Humberto Mesquita e Marcio Lewkowics também são réus por interferência na coleta de provas em 17 de março, quando chegaram ao escritório de Costa no Rio de Janeiro antes da PF e retiraram documentos do local -, Costa contrariou seu então advogado Nélio Machado e aceitou a delação. Sua defesa passou a ser atribuição de Beatriz CattaPreta, especializada em negociar a redução de pena por informações relevantes à investigação.

Todo o material produzido até agora pela PF e pelo MPF será encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) por meio de arquivos codificados.

As investigações só serão aprofundadas após o segundo turno das eleições, em 26 de outubro. Isso porque deve demorar pelo menos 60 dias para a coleta de novas provas pelo MPF e para que a Justiça autorize os pedidos.

As medidas envolvem eventual quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático, oitiva de testemunhas, busca e apreensão de documentos e - em casos extremos - a prisão preventiva de pessoas que poderiam prejudicar o andamento das investigações.

Ouvir testemunhas pode levar 60 dias. A quebra de sigilo tomará outros 20 somente para o envio dos dados e deverá ser solicitada à Justiça pelo MPF. O juiz precisará de ao menos um mês para analisar o material.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ficou desconfortável com a possibilidade de ter havido vazamento das investigações. Está preocupado que os envolvidos tenham sido alertados.

A Polícia Federal tomou cautelas prévias para evitar vazamentos, como, por exemplo, definir grupos policiais distintos para ouvir Costa. Cada depoimento foi tomado por equipe diferente de modo a compartimentar a investigação. Mesmo assim, os nomes de vários investigados foram divulgados pela imprensa, o que irritou o MPF.

Fonte: Valor Econômico.