quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Da formação de milícias: comentários à Lei 12.720



Disponível também em fredericocattani.com.br.

Por Carlos Frederico M. R. Cattani*


O preâmbulo da Lei 12.720 de 27 de setembro de 2012 preconiza um interesse político-criminal contemporâneo, debatido por autores como Günther Jakobs em seu Direito Penal do Inimigo, e temas tão atuais como o terrorismo, qual seja: o crime de extermínio de seres humanos. Contudo, a Lei, que já está em vigor, entre seus propósitos, trouxe uma inovação diversa de sua ementa. Isto é, mesmo sob o pretexto de tutelar e combater o extermínio de seres humanos, o legislador, em verdade, inovou legalmente criando o crime de “Constituição de milícia privada”, tendo por pena o mínimo de 4 (quatro) e a máxima de 8 (oito) anos de reclusão, que muito difere do extermínio de seres humanos, até porque o efeito vinculado da lei é para a prática de qualquer espécie de crime. 

Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código. 

Contudo, forçando uma interpretação em favor da prevenção do extermínio de seres humanos, podemos fazer uma leitura de maior intensidade da lei, quando esta acresceu o §6.º no crime de homicídio (artigo 121 do Código Penal): 

§6.º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. 

O novo tipo penal, em uma lei que busca penalizar o extermínio de seres humanos, tem uma extensão por demais considerável; primeiro, por prever que a milícia privada (nomen iuris) será aquela que praticar qualquer dos crimes previstos no código penal, ou seja, se aproxima muito do crime de quadrilha ou bando, que tem a pena fixada entre 1 e 3 anos de reclusão. 

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. 

As diferenças que em um primeiro momento podemos anotar são que não há imposição de um mínimo de agentes, assim como a finalidade destes grupos, também nominados de organização paramilitar ou milícia particular pela Lei nova. No entanto, a Lei pune, em flagrante bis in idem legislativo, novamente a quadrilha ou bando tipificada no artigo 288 quando utiliza termos como grupo ou esquadrão, devendo ficar o intérprete atento à intenção do legislador: a de tutelar milícias particulares. O risco que surge é a utilização desmedida deste novo texto legal, pois com pena muito superior a de quadrilha ou bando. 

A segunda grande extensão da Lei nova é nascer com a finalidade específica de evitar o extermínio de humanos e, sem qualquer compreensão metodológica, poder ser aplicada para a união de pessoas que praticam qualquer espécie de crime, ressalva-se, o que já estava previsto no ainda em vigor art. 288 do Código Penal. 

Não é preciso muito para perceber que, salvo os casos que enquadrarem o artigo 121 como crime fim, por princípio mais favorável ao réu, deverá ser considerado e aplicado o previsto no crime de quadrilha ou bando, quer dizer, salvo os casos de extermínio de pessoas deverá ser considerado somente o crime de quadrilha ou bando.