terça-feira, 7 de agosto de 2012

Defesas de réus tentam desqualificar denúncia do mensalão

Disponível também em fredericocattani.com.br.

Os cinco advogados de defesa dos réus José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Ramon Hollerbach tentaram desqualificar as acusações da Procuradoria Geral da República (PGR) no terceiro dia de julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta segunda-feira, os representantes dos acusados argumentaram que a denúncia carece de provas que fundamentem as acusações. Eles alegam que os crimes não são demonstrados e comprovados pelos autos. Todos, sem exceção, negaram participar de atos de corrupção e rechaçaram a compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional.

O advogado de José Dirceu, José Luís de Oliveira Lima, foi o primeiro a falar. Ele pediu, durante a defesa de seu cliente, pela total improcedência da denúncia feita pela PGR contra o ex-ministro da Casa Civil. Para ele, Dirceu "não é quadrilheiro", pois os autos comprovariam que ele não é culpado.

Oliveira Lima argumentou que todas as acusações que Roberto Jefferson fez durante o escândalo do mensalão foram refutadas pelas provas testemunhais arroladas pela defesa. Antes de terminar sua sustentação oral, ele fez referência à posição da Procuradoria Geral da República:

- A condenação de José Dirceu é a mais atrevida e escandalosa afronta à Constituição - disse ele. Na acusação que fez semana passada nas alegações finais, Roberto Gurgel disse que o mensalão foi o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção ocorrido no país. Além disso, a defesa afirma que o MPF apresenta frases de efeito, como a que diz que "a condenação vai servir de exemplo".

No início, Oliveira Lima quis deixar claro que o julgamento deve restringir-se aos autos do processo, e que sua defesa seria "escrava da Constituição".

- Quero dizer que esta defesa vai se apoiar no devido processo legal - afirmou ele, após elogiar o ministro decano Celso de Mello por receber homenagens em função de sua atenção ao direito de defesa.

Segundo o advogado de Dirceu, o MPF não conseguiu a comprovação de sua tese não por incompetência ou inércia, mas "porque não é verdade que existiu a propalada compra de votos". Oliveira Lima disse que Dirceu tem "folha de serviços prestados ao país".

A defesa diz que não há nos autos nenhum depoimento, ou testemunha, que faça a afirmação de que o ex-ministro tenha favorecido o banco BMG na questão dos créditos consignados, como sustenta a denúncia.

- Quero dizer que não há nos autos nenhum depoimento que faça essa afirmação, de que José Dirceu, na Casa Civil, teria beneficiado o BMG na questão dos consignados (...) A primeira conduta que o Ministério Público imputa para caracterizar a participação de José Dirceu na quadrilha cai por terra - disse Oliveira Lima.

A defesa também tenta desqualificar a acusação de "chefe da quadrilha" partindo do princípio de que Dirceu, quando era ministro da Casa Civil, afastou-se das atividades do PT, e não saberia dos chamados "empréstimos", assim citados pela defesa. Assim, segundo esse ponto de vista, o ex-deputado cassado não saberia das movimentações financeiras feitas por Delúbio Soares e Marcos Valério.

Segundo Oliveira Lima, Dirceu não possuía "nenhuma relação com Marcos Valério". Ele descreve os encontros que os acusados tiveram entre si como se tivessem sido fortuitos ou em decorrência de atividades normais da política.

Ele refutou ainda a compra de votos de parlamentares:

- Não é verdade que José Dirceu tenha procurado parlamentares para oferecer dinheiro em troca de apoio ao governo. O MP não tem provas, ele se atém ao depoimento de Roberto Jefferson. O MP aponta que os parlamentares do PL, PTB e outros da base aliada praticaram crime de corrupção passiva, mas os do PT, que teriam recebido, não - afirmou.

O segundo a falar no Supremo foi o advogado do ex-presidente do PT, José Genoino, Luiz Fernando Pacheco. Para ele, a opinião pública já foi convencida de que o mensalão foi uma farsa.

- Nós não teremos uma certa opinião publicada. A opinião pública, esta sim, já se convenceu que o mensalão foi uma farsa. Tanto é assim que, após a crise, em 2005, o presidente Lula se reelegeu de forma acachapante, assim como a atual presidente Dilma Rousseff.

Além de formular um pensamento geral sobre a opinião pública, Pacheco tentou desqualificar a denúncia e a Procuradoria Geral da República, que se utilizaria da "odiosa responsabilidade objetiva". Para ele, Genoino só é acusado porque é petista, e, no caso em questão, era presidente do partido:

- É o direito penal nazista: é judeu, então mata. Foi petista, presidente do PT, então tem que ir para cadeia, não pelo que fez, mas pelo que foi. Não há nenhum fato concreto que sustente a acusação de José Genoino - disse Pacheco, depois de exaltar o currículo supostamente ético de seu cliente.

A defesa sustentou, ao contrário do procurador-geral da República Roberto Gurgel, que os empréstimos pedidos ao BMG pelo PT não eram falsos.

- É necessário frisar que esses dois contratos dos quais Genoino era avalista, são contratos absolutamente legítimos, não são falsos como disse o Procurador-geral da República.

O advogado diz que o ex-presidente do PT não cuidava das finanças e da administração. Ao mesmo tempo, diz também que toda a direção do partido autorizou os contratos e que o presidente foi quem assinou e avalizou.

Sobre a acusação de que teria havido corrupção ativa para que os deputados recebessem em troca de votar interesses do governo, Pacheco diz que a denúncia não detalha "quem teria dado dinheiro a quem, como, onde, por que, absolutamente nada".

Segundo a defesa, Genoino não conhecia ninguém do chamado núcleo-financeiro e ninguém do núcleo publicitário.

Pacheco termina a sua sustentação oral afirmando que o ex-presidente do partido foi injustiçado.

- José Genoino é, sem dúvida alguma, um homem inocente que teve seu nome arrastado na lama pela irresponsabilidade de alguns.

Defesa de Delúbio: ele 'fez caixa dois', mas não houve compra votos

O terceiro a falar foi o advogado de Delúbio Soares, Arnaldo Malheiros. Ele passou a maior parte do tempo de sua fala a refutar a compra de apoio político. Afirmou expressamente que Delúbio fez caixa dois, mas ressaltou que o seu cliente não quer ser "condenado pelo que não fez".

Para negar o pagamento a parlamentares, a defesa começou a descrever a formação da chapa petista para as eleições de 2002.

- Tudo começou na construção da chapa Lula-Alencar (...) Na origem de tudo, muito antes de haver um governo Lula, aí se forma uma aliança e, nessa aliança, se estuda a divisão de dinheiro para custeio de campanhas. Nessa formação do governo, incluíam-se alianças políticas, que tinham também, por objeto, a maioria parlamentar. E, como em qualquer governo no mundo, o governo conquista sua base parlamentar com a partilha do poder.

Para tentar desqualificar a acusação de formação de quadrilha, a defesa afirma que o interesse de Delúbio era estritamente financeiro.

- Delúbio nunca se envolveu com essa coisa política, de apoio parlamentar. O problema dele era providenciar dinheiro para campanha.

Segundo Malheiros, das 394 testemunhas, 337 não conheciam sequer o nome de Delúbio. As que conhecem seriam 39, e as que conhecem por meio dos meios de comunicação ou de vista são 14.

- Temos que trabalhar com o mínimo de realidade. Realidade dos autos é que não dá para condenar - disse ele.

O advogado encerrou sua fala lembrando o jurista Paulo Brossard, ex-integrantes do STF, que defendeu a manutenção de crucifixos nos tribunais, não como símbolo religioso, mas como lembrança da gravidade dos erros judiciários e dos riscos de se julgar pela vontade da multidão.

Defesa de Valério: 'tenho de ser um pouco locutor de jóquei'

O quarto a falar, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, disse que teria que se comportar como um locutor de jóquei para rebater as acusações imputadas pela Procuradoria Geral da República a seu cliente.

- Para dar conta de tantas acusações, tenho que ser um pouco locutor de jóquei. A primeira acusação é formação de quadrilha. A jurisprudência diz que não se pode considerar formação de quadrilha a sociedade em empresas legais - disse ele no início de sua defesa.

Leonardo alega que o vínculo societário não é suficiente para a caracterização de quadrilha, e diz que a única argumentação da PGR para a comprovação da prática é esta associação. Por este motivo, ele pediu sua absolvição pelo crime de formação de quadrilha.

Leonardo também reclamou sobre a validade de provas colhidas em uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

- Diz o Direito que somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar o condenatório. O MP se limitou a basear em provas colhidas no inquérito e na CPMI dos Correios, considerou apenas provas colhidas em contraditórios extrajudiciais.

Sobre a acusação de corrupção ativa, o advogado alega que a denúncia parte do princípio de que um partido político cometeu tal crime, e afirma que, entretanto, uma legenda não é funcionário público para cometê-lo.

- A denúncia não narra como teriam sido essas atuações, limita-se a dizer que cada um dos parlamentares teria tido uma atuação nas duas citadas sessões de votação.

Para o advogado, bem como para as outras defesas, o fato concreto é o caixa dois de campanhas eleitorais, e não a compra de votos no Congresso.

- Marcos Valério sempre disse que Delúbio Soares lhe informou que o PT tinha dívidas de campanhas eleitorais próprias e com partidos políticos aliados.

Tanto ele como outros advogados afirmaram que, de acordo com o cruzamento do quadro geral de votações com os saques bancários, não houve compra de votos.

Sobre a acusação de favorecimento à SMP&B, empresa de Valério, em contrato com a Câmara dos Deputados, a defesa afirma que os trâmites para o firmamento do mesmo foram legais e lícitos. A acusação de peculato, em razão do mesmo contrato, também foi negada por Marcelo Leonardo.

A denúncia diz que o contrato, feito pelo então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, teve "justificativa meramente formal", sendo a verdadeira finalidade arrumar uma função para um assessor de Cunha, por meio da SMP&B.

- Já se esclareceu que o deputado não era o detentor do contrato - alega a defesa.

Sobre a quinta acusação - de corrupção ativa -, que trata da denúncia de favorecimento de R$ 116 mil a Henrique Pizzolato, ex-gerente de marketing do Banco do Brasil (BB), a defesa afirmou que possui prova documental, testemunhal e pericial para demonstrar que os recursos da Visanet - fundo do BB que antecipou verba à DNA Propaganda - eram privados. E que as decisões no banco eram tomadas por um colegiado.

- Agora na instrução criminal, veio a prova que Pizolatto não autorizou nada. A defesa pede a sua absolvição quanto a esta acusação porque as antecipações feitas à DNA Propaganda pela CBMP (Visanet) não eram recursos do Banco do Brasil - disse Leonardo.

A defesa também negou a acusação de peculato em função do não repasse da DNA de bônus de volume a fornecedores.

- A lei 12.232, de 29 de abril de 2010, veio explicitar que a bonificação de volume não deve ser devolvida à contratante. A lei tem efeito retroativo expresso - diz a defesa. O Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a abordar esta questão uma semana antes do julgamento.

A defesa também negou o crime de lavagem de dinheiro ao afirmar que não havia "crime anterior". Segundo Marcelo Leonardo, o contrato com a Câmara dos Deputados era lícito e os empréstimos eram legais. Portanto, não haveria condições de ser considerado o crime de lavagem de dinheiro.

- Sobre a acusação de lavagem de dinheiro, não há o fundamental para a caracterização, que é o crime anterior. O contrato com a Câmara dos Deputados foi executado. Os valores repassados eram fruto de empréstimos bancários junto a bancos privados. A verdade é que nessa ação penal não há prova de desvio ou apropriação de recursos públicos - disse ele.

Sobre os empréstimos, o advogado tentou especificar:

- O MPF não requereu nenhuma perícia, a defesa requereu a realização de perícia nos empréstimos. Os peritos afirmaram que os empréstimos obtidos do BMG são verdadeiros. O valor total dos empréstimos é de R$ 22 milhões. No segundo laudo, em 2009, os peritos afirmaram que os empréstimos obtidos no Banco Rural em 2003 e 2004 são verdadeiros. O valor total obtido com o Banco Rural é de R$ 29 milhões - disse ele.

Antes de terminar sua fala, o advogado mostrou insatisfação com o tempo dado à defesa e acusou os meios de comunicação de 'sacrificar' o seu cliente.

- Eu só tenho mais três minutos... isso parece tortura psicológica (...) Valério foi preconceituosamente ridicularizado por ter corte de cabelo zero, não sabendo (a mídia) que assim fazia em solidariedade ao filho, que teve câncer aos 6 anos de idade, e assim conservou em homenagem à criança, que não resistiu à doença.

Defesa Ramon Hollerbach: 'Ele não pode ser julgado pelo CNPJ'

O último advogado a falar foi Hermes Vilchez Guerrero, representante do ex-sócio de Valério, Ramon Hollerbach. Ele disse que o único crime que Hollerbach pode ter cometido foi ter sido "sócio de Valério".

- Ele não pode ser julgado pelo CNPJ. Ele tem que ser julgado pelo CPF e número de carteira de identidade. De que Ramon Hollerbach é acusado? De tudo aquilo que Marcos Valério é acusado.

A defesa de Hollerbach demonstrou solidariedade com as acusações contra Valério.

- Marcos Valério nunca disse que os contratos eram simulados. Essa é a coisa mais verdadeira do mundo (que a empresa era tocada a três mãos, como disse a procuradoria). A empresa, evidentemente, era administrada pelos três. Cristiano cuidava da criação, Ramon cuidadava da produção e Marcos Valério do setor financeiro - disse Guerreiro.

Ele argumentou que Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon, ex-sócios, "são pessoas distintas".

- O que beneficia ou prejudica um não influencia o outro. São pessoas que têm que ser sentenciadas individualemente. Não há nos autos a descrição ou apontamento de qualquer conduta de Ramon Hollerbarch.

Fonte: O Globo.