segunda-feira, 30 de julho de 2012

Receita cobra R$ 11,8 bi de grandes empresas por operações com ágio


Disponível também em fredericocattani.com.br.


Receita Federal está exigindo R$ 11,8 bilhões de 70 grandes companhias autuadas entre 2010 e junho deste ano por realizarem operações com ágio. Gerdau, Camargo Corrêa, Santander, Camil e Telemar estão na lista de empresas cobradas pelo Fisco. Outras 48 estão sob investigação.

Apesar de a lei permitir o procedimento que resultará em um recolhimento menor de impostos, a Receita tem considerado ilegal parte desses negócios. Nesse tipo de transação, uma empresa adquire outra por um preço maior do que o de mercado, contando com uma valorização futura. Há também casos que envolvem reestruturações entre companhias de um mesmo grupo.

"A maioria das companhias [autuadas] tem ação em bolsa e faturamento acima de R$ 100 milhões por ano", diz o coordenador-geral de fiscalização da Receita, Iágaro Jung Martins. A Lei nº 9.532, de 1997 - editada como um meio de incentivar as privatizações daquela época - permite que o ágio seja registrado como despesa no balanço das empresas e amortizado, em no mínimo cinco anos, da base de cálculo do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

As empresas autuadas questionam na esfera administrativa as cobranças. Algumas já obtiveram vitórias no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O órgão tem analisado com lupa cada operação e proferido decisões que ainda não permitem traçar uma tendência do tribunal administrativo. A questão ainda não chegou ao Judiciário. "Os conselheiros estão olhando caso a caso", diz Paulo Riscado, procurador-chefe da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Carf. "A discussão não está amadurecida."

A Gerdau, em um julgamento que surpreendeu procuradores e auditores fiscais, por exemplo, conseguiu cancelar uma cobrança de cerca de R$ 700 milhões, por operações que envolveram oito empresas do grupo. O Carf validou a dedução do chamado ágio interno - gerado a partir de reestruturações societárias do mesmo grupo econômico. A PGFN questiona o ágio registrado a partir do aumento de capital, incorporação e cisão, realizados em 2004.

Para o Fisco, o ágio só é gerado com a aquisição e mudança de controle de uma empresa. "Ágio interno é planejamento tributário abusivo", afirma Iágaro Jung Martins. "O controle está na mão da mesma pessoa. Não há parte independente no negócio."

Ao analisarem o processo da Gerdau, os conselheiros do Carf, porém, entenderam que o ágio registrado em operação entre empresas do grupo tem a mesma validade daquele resultante de negócio entre companhias sem vínculo. "A decisão nos surpreendeu", diz Paulo Riscado. Como o julgamento é ainda da primeira instância do Carf - as chamadas câmaras baixas -, a PGFN pode recorrer à Câmara Superior do órgão.

As Organizações Globo foram autuadas por esse tipo de operação e perderam a discussão na primeira instância do Conselho. O caso envolve uso de ágio resultante de operação entre companhias do grupo.

Na avaliação de tributaristas, companhias que realizaram operações semelhantes e perderam na primeira instância do órgão podem tentar reverter a situação na Câmara Superior, a partir do caso da Gerdau. 


A Camil Alimentos também conseguiu cancelar uma autuação de R$ 20 milhões. O Carf entendeu que a Receita não poderia ter desqualificado o uso do ágio ao considerar que não seria uma despesa necessária. A operação começou com um aumento de capital com ágio da Camil pela empresa Rice. Parte dos recursos recebidos foi emprestada à Palmeira, companhia constituída no fim dos anos 90. A Palmeira, por sua vez, emprestou o mesmo montante para a Rice que, ao fim da operação, adquiriu metade da Camil. No caso, o Fisco contesta o aumento de capital da Camil pela Rice.

Os conselheiros, em julgamento realizado em março, entenderam que não há simulação ou evasão fiscal mesmo em operações em que houve uso de "empresa-veículo" - a Rice - para uso do ágio. A PGFN vai recorrer da decisão.

As autuações fiscais não atingem apenas empresas que realizaram operações internas. Empresas como Camargo Corrêa, Telemar e Santander fecharam negócios com companhias de grupos diferentes, mas o ágio, considerado externo, também foi questionado. Para esses processos, o Carf não tem jurisprudência uniformizada e há decisões tanto favoráveis quanto contrárias aos contribuintes.

A Camargo Corrêa foi autuada pelo suposto uso de uma empresa para internalizar no Brasil o ágio registrado no exterior. Em junho de 2005, a empresa comprou três empresas com ágio de R$ 1,5 bilhão - Gaby1, Gaby2 e Gaby3 - para adquirir o controle da companhia argentina Loma Negra. Em novembro daquele ano, transferiu a titularidade das ações com o ágio para sua controlada, a Camargo Corrêa Cimentos que, no mês seguinte, incorporou as três empresas, passando a amortizar o ágio.

O Carf considerou a operação irregular por não existir previsão legal para essa transferência. Para os conselheiros, a Camargo Corrêa Cimentos só poderia deduzir o ágio se fosse a compradora original das empresas e se a operação tivesse sido registrada no Brasil. A 5.ª Turma da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em São Paulo - hierarquicamente abaixo do Carf - havia cancelado a autuação por considerar que a legislação não proíbe a controladora de repassar o controle de empresas adquiridas com ágio efetivamente pago à sua controlada.

As autuações dessas empresas foram geradas a partir de ágio de privatizações: do banco Banespa, no caso do Santander; e da Telebrás, adquirida pela Telemar. Ambas as cobranças foram canceladas em julgamento de câmaras baixas do Conselho. O Santander se livrou de uma cobrança de aproximadamente R$ 4 bilhões. A autuação da Telemar é estimada em R$ 2 bilhões.

Procuradas pelo Valor, Globo, Gerdau, Camil e Camargo Corrêa preferiram não se pronunciar sobre o assunto. O Santander, por sua vez, informou que sempre atuou conforme a legislação vigente e que está confiante "de que essa decisão prevalecerá".

Já a Telemar afirmou que segue a legislação e que o entendimento favorável do Carf é definitivo. A PGFN comunicou que não vai recorrer dessa decisão, pois percebeu que houve problemas na autuação fiscal.

Fonte: Valor Econômico.