quinta-feira, 3 de maio de 2012

Convicção e circuitos crentes


Disponível também em fredericocattani.com.br.

Por Frederico Cattani *

Com base na obra o Ponto Cego do Direito, de Rui Cunha Martins, alguma anotações pertinentes. Fica preso a este ponto em virtude da matéria ser, dentro de seus limites, de cunho intrínseco aos processos penais e, assim, a defesa dos interesses de um processo constitucionalmente instrumentado. Não existe um revelar a verdade real, isto, pois, as formas de expressar o convencimento do Juiz-Estado, não pode haver ingenuidade, substanciam-se em alguns elementos do convencimento que não são externalizados. Por isso, entendo que o autor Martins parte de um ponto central, qual seja, “Estar convicto não é a etapa final de um trajecto epistémico sem máculas. Aliás, permito-me sugerir que nem sequer é, em bom rigor, uma etapa”(fls.21). Ora, do contrário, estar-se-ia reduzindo, talvez, a complexidade por traz da discussão.

Importante ressaltar, no mesmo sentido inicial, que “a convicção corresponde a um processo de sucessivas tangências e sobreposições, complexo e denso, no âmbito do qual os diferentes componentes do percurso se inter-relacionam e se convocam mutuamente, contaminando a respectiva posição, o respectivo sentido e os respectivos efeitos.” (fls. 21). Não muito distante, pode-se dizer que em um processo penal, a quem acusa e a quem se defende, existem diversos momentos, no decorrer do processo até sentença por juiz, para atos de convencer, não se dando, o “convencimento” por um “processo linear estendendo-se ao longo de dois pólos”.

Tenho que, muito além, a comunicação dos elementos de convencimento nunca estarão se desconectando, permitindo leituras e interpretações diversas com o correr do processo, podendo ser usadas de formas diversas por entes diversos do processo. Por isso, o cuidado, da concepção do processo como um modo de prover a verdade, em renúncia ao modelo acusatório: “no caso concreto do convencimento judicial, é a expansividade incorrigível da convicção, no quadro de uma circularidade porosa que a leva a absorver um pouco de tudo o que participa da construção da decisão (fls. 39)”, assim, “conforme se tem sugerido, ao falarmos de convicção é a crença que aflora, em maior ou menor grau, de forma inescapável.” (fls. 40).

De sorte a escancarar a problemática que circunscreve a convicção por meios “constitucionais” ou de forma “válida processualmente”, se cabe apresentar o tema nesta esteira jurídica. O autor apresenta o “mecanismo da confiança”, que em maior ou menor escala, possui seu problema por não se opor diretamente a prova, mas por torná-la desnecessária, “o que há para provar ali onde nenhuma inquietude, nenhuma incerteza e nenhuma perturbação na força ostensiva do real pode instalar-se?” (fls. 46). Estar-se-ia, no processo penal, utilizando de mecanismos redutores da complexidade que cerca e constitui o próprio processo.

O autor compreende o ponto cego da discussão, ou do discurso, que exerce a confiança “uma imagem do mundo que se aceita indiscutível – aquela onde o nosso questionamento retrospectivo sobre a ordem das coisas e sobre nós próprios acaba por se deter, incapaz ou sem vontade de cavar mais fundo”. (fls. 46). Não cabe ao processo penal, conforme compreendo, este reducionismo, devendo arcar com seus critérios de forma séria (e não elástica), não podendo o Juiz-Estado, por meio de lacunas na lei, utilizar de sistemas que permitam aplicar sentenças sem ‘barreiras’ (filtros) para incorporação do convencimento.

 Advogado
Mestre em Ciências Criminais - PUCRS
Especialista em Direito Empresarial - FSG / RS
Professor de Direito Penal e Empresarial da Estácio de Sá - FIB
Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM
Coordenador do grupo de Estudos em Crimes Econômicos - Elucubrações Penal